Ainda estou aqui mesmo que não saiba para onde irei a seguir. Vim de uma história fantasiosa de um país mítico que nunca existiu e para onde nunca se poderá voltar. O Moçambique que me foi contado é mais inacessível que Narnia. Cresci a ouvir contar histórias de crianças pela boca de adultos que nunca cresceram, porque o caminho lhes foi interrompido por uma guerra que chegou de um lugar longínquo, de um lugar real. Cresci e continuei a fugir da realidade dos outros. Não me interessam visões curtas, práticas e eficazes, onde um unicórnio é uma start up que vale um bilião de euros. Muitos quilómetros de distância.
A curva
14.11.25
Ainda estou aqui
7.11.25
Fúrias
Fui furiosa durante um período de tempo, no início da minha vida adulta. O meu alvo preferido eram machistas, homens e mulheres, racistas essencialmente brancos e pessoas privilegiadas, quase sempre de direita que não entendiam as dificuldades de quem não tinha nascido com o traseiro virado para a lua. Pessoas que confundiam meritocracia com heranças de família. Fast and Furious.
24.10.25
Máscara
Adoro máscaras. A hipocrisia tem má e injusta reputação. O cimento da vida civilizada entre humanos são as mentiras brancas. Tenho saudades de quando não se dizia à boca cheia o que agora se grita e se vota. Ainda não há muito tempo estava convicta que estávamos a avançar enquanto humanidade. Acreditava piamente que a partir dali era sempre a subir. Tive filhos por pensei que o seu futuro seria cheio de portas abertas, felizes acontecimentos e muita luz. Pari porque achava que a vida deles ainda seria melhor que a minha, pela qual sou já bastante grata, de resto.
Lembro-me com carinho das tardes passadas a rir no escritório entre colegas que só com mentiras suportava e era tolerada.
Sonho com aquele dia de Verão em que ficámos na praia até tarde para ver o pôr do sol e ele me respondeu que não tinha celulite. Amo que me mintam para serem agradáveis comigo. A realidade não me interessa nada. A vossa verdade absoluta, muito menos.
Usem máscaras por motivos sociais, psicológicos, higiénicos. Usem máscaras pela beleza do gesto. Usem máscaras para que isto corra bem.
Finjam, por favor. Enganem-me por caridade.
Lie to me, lay with me.
17.10.25
Pulso
O meu primeiro impulso para a palavra "pulso" é a música. Claro. Evidente. Aquele beat. Aquele ritmo. Aquele som sintonizado como na barriga da mãe.
10.10.25
Como cão e gato
Mil oposições. Contradições. Lutas e conflitos. No mundo. Na minha rua. Nas escadas do prédio. Mas a primeira, a mãe de todas. A que me assombra desde a mais tenra idade vive dentro de mim. Um fantasma bem presente de que nunca quis fugir e só afugentei quando fui obrigada pelo assalariado. Esse mal maior.
3.10.25
Quanto até ao apocalipse?
Londres, anos noventa. Lembro-me de rir discretamente, mas com vontade, no speakers corner do Hyde Park, quando vi pela primeira vez aquele gentleman de barba longa e branca, em cima de um caixote de madeira com o cartaz bem alto "Things gonna get worst". Anunciador do apocalipse num dia de chuva antes da hora do chá, achei super chique. Devo ter tirado uma foto analógica, ou talvez não, nessa altura pesava-se bem cada imagem que valeria ser guardada para sempre. Não devo ter tirado, a luz estava péssima, era uma vivência para ser guardada só na memória humana, imperfeita e orgânica.
26.9.25
Alma minha
Alma
Anima
Ânimo meu.
19.9.25
Mentir com quantos dentes tem na boca
Querer paz.
12.9.25
Revolução
Correm em mim dois rios no universo revolucionário. Se ouço a pouca sabedoria que a idade me trouxe, sei que é melhor deixar as explosões e dramas maiores para os vulcões e outras forças. Optar pela diplomacia, debates racionais e com respeito pelo outro e pelas sua liberdades de expressão-acção-abjectas. Mas só posso confessar, queridos leitores anónimos, que algo em mim se anima quando os oprimidos e injustiçados se insurgem. O grito! Mesmo quando a violência aparece e ganha forma por cima. Afinal o que são carros queimados contra vidas e famílias destruídas? Como reclamar com jeitinho quando nunca ninguém os ouviu? O que é um grito pontual contra uma vida amordaçada?
Sacrifícios humanos, lava que se projecta no ar entre nuvens e pedras mortais. tsunamis e furacões, assim se cortou a natureza humana e não-humana. Estamos neste planeta e dele fazemos parte. Com ele aprendemos e Somos. Dele viemos, para ele iremos.
A inteligência humana ou a artificial. A paixão versus a razão. Cravos vermelhos ou opressão. Terra. Lava. Morrer para renascer. Nestas veias corre sangue: Esta lava. Esta esperança de algo melhor. Mais justo. Mais inclusivo. A loucura das nossas boas intenções.
Que algo se anime ! Já vai sendo tempo.
Pode-se aprofundar sobre Revolução noutros espaços membros do colectivo Largo :
Mariana Leite Braga
Maria João Caetano
Rita Maria
8.8.25
Nenhures
Quis que o mundo parasse.
Não estou a conseguir acompanhar, já não estou a tentar, já não quero participar. Quero só que cesse.
Escrevemos semanalmente à volta do mesmo tema, à volta do mesmo dia :
Marisa Maurício
Joana Valente
Mariana Leite Braga
Maria João Caetano
Rita Maria
Helena Araújo